Eu estava em um lugar escuro; No nada, e sem nada, eu esperava; Adormecia lá Enquanto ninguém planejava; Enquanto ninguém se enganava; Eu adormecia lá; Enquanto ninguém surgia; Enquanto Maria ia; Eu adormecia lá; Enquanto o Criador preparava um lar; Eu adormecia lá; Enquanto os corações temiam a ventura; E se fosse bravura? Como seria, Maria? A quem a luz darias? Mas enquanto eu adormecia; O seu coração consentia; Não sabia se seria dia; Mas ela disse: já chegou a hora; Venha para fora; E contemple a aurora.
Em todos os anos, é reservada uma data para celebrar a maternidade. De alguma forma, todos nós somos fruto dessa dádiva que foi dada unicamente à um ser, a mulher. Mas será que todos têm motivos para comemorar essa data? Talvez uma das únicas datas que nos é comum?
Talvez, nunca tenha existido um momento em que falar da maternidade seja tão crucial quanto falar do oxigênio que respiramos, ou da água que bebemos como é nos dias de hoje, porque afinal de contas, a maternidade é a fonte propulsora de vida. E por fonte, quero dizer que ser mãe envolve um desabrochar voluntário para aquilo que desde a antiguidade tem sido considerado como sagrado, a vida humana.
A maternidade envolve um “Sim” um “aceito” um “pode vir” um “entra que a porta está aberta”. A maternidade significa dizer sim a alguém desconhecido, porém, existe algo sobrenatural nisso, ao mesmo tempo em que o ser que se forma dentro do corpo de uma mulher seja estranho ou desconhecido, existe algo de mais profundo e glorioso na maternidade, que é justamente a conexão entre a mãe e o bebê. E durante a gestação, só Deus e uma gestante sabem, realmente, que tipo de conexão sem igual é essa.
E eu acredito que seja essa conexão que faz com que todos nós reconheçamos o valor de uma mãe. O valor da minha e da sua mãe. Para a maioria de nós, é complexo demais responder algumas questões relativas à maternidade e até mesmo o nosso amor incondicional por nossas mães, parece ser algo inexplicável, inclusive, alguém já disse, certa vez, que os soldados quando morrem gritam por suas mães. E não sabemos o porquê.
Onde quer que ela esteja, como quer que ela tenha se portado durante a vida, sejam grandes ou pequenos os seus pecados, seja ela doce ou bela flor, ela te disse: Sim, venha para fora, e contemple a aurora. Se Deus te deu um “sim” pela primeira vez, a segunda, e por sinal a última, com certeza, foi o “sim” de sua mãe.
É impressionante que Deus tenha feito isso, colocar a vida dos seres humanos à mercê de uma mulher, mesmo sabendo que a mulher era pecadora, como poderia Deus cogitar uma coisa dessas, permitir que ela fosse a fonte da vida? Isto não te causa espécie? Quão glorioso é saber que Deus graciosamente permite que uma outra vida seja formada em nosso ventre.
O milagre da maternidade
No momento, não sou mãe, mas, escrevo com carinho e grande regozijo, pois, a maternidade é um assunto que me atrai, especialmente, porque ela carrega uma série de virtudes que vislumbramos apenas em um único ser, a mulher. Com a maternidade fica fácil reconhecer a hospitalidade, o amor verdadeiro, a alegria não fingida, o sacrifício, a paz e o lar.
Se existe um lugar que poderíamos igualar ao céu aqui na terra, seria este, o lar. A figura que mais nos lembra de como foi a nossa infância, o que comíamos, como nos vestíamos, as idas e vindas ao hospital ou a escola, as noites do temor noturno quando o pai não estivesse em casa, as quedas, as manhas, os chororós e a alegria indescritível por sua presença é, a figura materna. Me lembro agora de um poema lindo sobre a casa de uma mãe:
Conheço um lugar, que no mundo é único. Recanto aconchegante, onde cada um pode ser o que é, pois aí, todos os defeitos são cobertos pelo manto do amor. Sempre me senti fascinada, atraída por tão aprazível lugar. Refiro-me à casa materna. É lugar de poesia e de encanto, de sonhos e de prazer. É onde o menino cresce e o velho faz-se menino. É onde o rico disfarça-se de pobre, para usufruir as coisas simples e pequenas que dão significado à vida, mas é também onde o pobre torna-se rico, ao desfrutar do maior legado a ele concedido – sua família. É na casa materna que a criancinha balbucia “mamãe” “papai”. Também é aí que ela ensaia os primeiros passos em busca da vida, para ficar, sem o saber, cada vez mais distante de tão abençoado lugar.
Milhões não prestigiam a casa materna, nem dão por fé que ela existe acolhedora, contagiante! Outros não chegaram a possuí-la. (Ah, como deve ser triste a vida destes)[1].
A maternidade é a dádiva que permite vislumbrar todos esses resquícios de bem. É o grande privilégio da mulher, aquele que também permitiu a redenção de toda humanidade através da vida e obra de Jesus Cristo. Neste sentido, a maternidade não só é um privilégio, como também uma missão sobrenatural, toda mulher foi feita para ser mãe, sua constituição física revela isso, e na bíblia, o orgão que abriga o ser humano, no início da vida é exaltado por excelência, o seu “ventre”, o útero.
Maternidade e receptividade
Como comentei acima, no início deste texto, ser mãe envolve abrir a porta para a vida, envolve um sim, um “aceito você”. A maternidade é uma dessas virtudes que não existiria sem essa resposta. Por isso, somos contra o aborto premeditado, pois, nele a mulher mostra sua miséria como uma pecadora que não responde “sim” ao chamado sublime para o qual Deus a designou. Uma missão sagrada. Compreendemos por que as mulheres que tal ato cometem, ferem a si próprias, ferem mortalmente as suas almas, e precisam confessar e ser curadas por Deus para seguir adiante. [2]
E este é, justamente, um outro dom dado às mulheres, e difícil de encontrar em homens, a receptividade, o autossacrifício. Mas essa receptividade ocorre muito antes de a mulher aperceber-se grávida, a receptividade começa, em primeiro lugar, no ato sexual, quando a mulher deliberadamente se entrega e aceita o depósito de uma sementinha, os espermatozoides. Logo a seguir, ocorre uma outra dádiva, “magia”, quando um óvulo é fecundado. Para a mulher, doar-se faz parte de sua natureza, e a torna cada vez mais piedosa. Este é o poder de ser mãe.
Maternidade e hospitalidade
A maternidade também está intrinsecamente ligada à hospitalidade. As mães são aqueles seres especiais que cozinham e querem que todo mundo fique alegre e satisfeito, e, sempre aumentam a água no feijão para que não falte comida caso alguém apareça de repente. Não apenas isso, elas são a mão que levanta o aflito, acolhe o necessitado, dá abrigo ao oprimido e abraça o cansado. Parecem ser “supermulheres”, mas não se trata de ser “super”, até porque em muitos momentos sua vulnerabilidade é revelada, trata-se de ser o que se deve ser.
Ser hospitaleiro vai muito mais além do que ofertar comida ou bebida aos hóspedes. Por muito tempo, concebemos a ideia de que hospitalidade refere-se ao tratamento que é dado aos estrangeiros, o que em si, nada tem de mal. Mas o ponto crucial não é o fato de tratar bem os estrangeiros, ou quem visita-nos, como por exemplo, o que ocorre quando vamos a outros países e somos alvo de uma generosa hospitalidade, o ponto crucial está no fato de a hospitalidade, além da generosidade, envolver a proteção. Assim, o bom acolhimento ocupa uma parte necessária da conduta do anfitrião. [3]
Compreende-se que as mães são assim, e não temos uma outra explicação. Elas são assim porque ao longo dos anos temos testemunhado que a maternidade caminha junto com esses valores tão necessários para o bem-estar social. Sim, as mães contribuem para a coesão social.
Ser mãe é bom?
Algumas mães podem dizer que eu estou “pintando a maternidade”, e que na verdade, a maternidade não é tão boa como parece, ainda mais vindo de uma mulher que não tem filhos (eu). Sim, no mundo de hoje, eu não teria lugar de fala para abordar esse assunto, uma vez que não passei por nada do que as mulheres gestantes e mães passam. Mas a reflexão vai muito mais além do que o processo de gestação ou o início de uma nova vida com a experiência da maternidade.
Por muito tempo, a maternidade foi concebida como graça, dom, ser mãe era sonho de toda a mulher, pode ser que até hoje seja, é só repararmos na forma como as meninas, em sua maioria, se portam no dia a dia, apesar de alguns se esforçarem para tolher isto. Nos últimos anos, a maternidade tem sofrido ataques de tudo quanto é lado, mas de certeza quase que absoluta, essa guerra foi difundida tenazmente pelo movimento feminista.
Com uma evolução gradual, o movimento feminista possibilitou um conflito materno, interno e externo, mas em tudo isso, os filhos foram os mais prejudicados[4], pois, as crenças feministas confundiram a principal crença que tínhamos sobre a natureza da mulher. A mesma natureza que se encontra lá no livro de Gênesis “sede fecundos, frutificai e multiplicai-vos”[5]. Com o passar do tempo, a mulher foi se distanciando cada vez mais de seu papel materno e de sua família, e ganhando ojeriza à maternidade, e até mesmo terceirizando cada vez mais a educação de sua prole.
O movimento feminista insiste em dizer que por ser mãe, e dona de casa, a mulher é oprimida, e quando a mulher abraça essa crença, ela luta por “independência”, tudo isso sob o pretexto de ser livre e mais feliz. Se tudo isso o que o movimento feminista prega fosse verdade, as mulheres de hoje estariam mais felizes do que as de antigamente. Só que não.
Exercer a maternidade como as nossas mães exerceram foi muito mais difícil e penoso do que o é hoje. Para você ter uma ideia, minha mãe teve todos os seus filhos durante uma guerra civil. Hoje, jamais eu cogitaria em engravidar caso houvesse uma guerra. Mas a questão não é só essa, minha mãe, não abortou nenhum de nós, apesar do contexto, de fato, opressivo. Me diga, qual motivo seria o mais legítimo para fazer um aborto senão em meio a uma guerra?
Apesar de tantas dificuldades que minha mãe, assim como outras, tenham passado, nunca ouvi minha mãe reclamando disso, ou dizer que se arrependia por nos ter dado à luz, pelo contrário, ela nos chama de “minha riqueza”.
Atualmente, repito mais uma vez, neste momento em que escrevo, não tenho filhos, mas devo dizer que nos ciclos de amizades em que mais circundo, o discurso materno chega a ser enfadonho, mulheres reclamando, e algumas até aconselhando-me, “pense bem antes de ter filhos”. São raros os lares de jovens em que fui, no qual os ofícios materno e paterno são deliberadamente exaltados a ponto de contagiar os que não têm filhos. Senti isso em apenas uma família. A maioria reclama do sono, do tempo, do cansaço triplicado, do dinheiro etc. A lista é grande.
É óbvio que ser mãe é difícil, mais difícil até que ser pai. Mas a dificuldade não vem ao caso, porque sempre foi assim. Ninguém tinha dito que seria fácil. O que espanta é acharmos que para algumas mulheres foi mais fácil. É sério? Claro que não. Deus disse lá em Gênesis que a partir do momento em que a mulher e o homem pecaram, a vida na terra seria cada vez mais intricada, seria difícil até conseguir pão para a mesa, quanto mais trazer um filho ao mundo, cuidá-lo, educá-lo, protegê-lo, amá-lo, abençoá-lo.
A diferença é que alguns entenderam que as dificuldades fazem parte do processo e as aceitaram de bom grado, porque gerar filhos é uma missão divina, é o bem maior, o momento que Deus proporciona aos humanos para doar-se pelo bem do outro. Isso é amor. É isso que as mães fazem. No olhar materno, há beleza, há poesia, há amor, há brilho, há esperança, e principalmente, dignidade dada por Deus, para o trabalho de uma mãe.[6]
Querida mãe, com o que quer que suas mãos estejam cheias _ bençãos, ou dificuldades, ou uma mistura dos dois _ a Palavra de Deus contém um encorajamento específico para você[7], creia no evangelho, ele é a nossa esperança e o único que nos pode dar descanso (Efésios 1.3; 1.10; 1Pe 1.3-4; 1Pe 1.5).
Hoje louvamos a Deus pelo fato de nossas mães nos terem dado um “sim”, por terem aceitado o convite redentor de Deus, e permitido que o fruto de seu ventre fosse chamado de bendito. Quanto amor e quanta graça, foi isso ter acontecido. Nos chamou para fora, e nos fez contemplar a aurora.
Louvado seja Deus pela vida de todas as mães.
Feliz Dia das Mães
Celma Marília é médica e teóloga.
Referências
SOUZA, A.F.S; SOUZA, A.S. A jornada de uma peregrina: uma história de laços e afetos. 1.ed. Londrina-Pr.: 2021.
VON HILDEBRAND, A. O privilégio de ser mulher. 1.ed. Campinas-SP: CEDET, 2014.
MCCULLEY, C. Feminilidade radical: fé feminina em um mundo feminista. São José dos Campos, SP: Fiel, 2017.
LASHLEY, C; MORRISON, A. Em busca da hospitalidade: perspectivas para um mundo globalizado. Barueri, SP: Manole, 2004.
FURMAN, G. Sem tempo para Deus: intimidade com Cristo para mães atarefadas. São José dos Campos, SP: Fiel, 2015.
ALMEIDA, J.F. Bíblia Anote: edição revista e corrigida na grafia simplificada-revisão 1997/João Ferreira de Almeida. – Santo André: Geográfica, 2020.
[1] Souza, A.F.S; Souza, A.S. A jornada de uma peregrina. 2022, p.57.
[2] Von Hildebrand, A. O privilégio de ser mulher. Ecclesiae: 2014, p.111.
[3] Lashley, C; Morrison, A. Em busca da hospitalidade: perspectivas para um mundo globalizado. Manole, 2004.
[4] MCCulley, C. Feminilidade Radical: fé feminina em um mundo feminista. Editora Fiel: 2017, p.205, 209.
[5] Gênesis 1: 28
[6] Furman, G. Sem tempo para Deus: intimidade com Cristo para mães atarefadas. Fiel: 2015, p.16
[7] Furman, G. Sem tempo para Deus: intimidade com Cristo para mães atarefadas. Fiel: 2015, p.17