Vocação é aquilo que não se pode deixar de ser, (Julián Marías).
Quando a questão é “vocação”, não está em jogo tão somente os talentos que têm valor para o mercado de trabalho, que se adquiridos e aperfeiçoados com uma boa educação a longo prazo, se tem retorno do investimento que se fez, isto diz respeito a uma carreira, o que é contrário a mentalidade da vocação, que para David Brooks, quando falamos de vocação, “não estamos vivendo no nível do ego da nossa consciência – trabalhando porque recebemos bem ou porque torna a vida conveniente. Estamos na fundação. Alguma atividade ou injustiça chamou o nível mais profundo de nossa natureza e exigiu uma resposta ativa.
Em seu livro “por que escrevo”, George Orwell, diz que sabia que deveria ser um escritor desde os seus cinco anos de idade. Ideia essa, que tentou abandonar aos dezessete e 24 anos, só não o fez por ter compreendido que se assim procedesse estaria ultrajando sua verdadeira natureza, visto que cedo ou tarde, teria de se conformar e escrever livros. Seria isto uma vocação?
Para Orwell, existem pelo menos quatro motivos para escrever, primeiro, escreve-se por “puro egoísmo”; segundo, por “entusiasmos estético”; terceiro, por “impulso histórico”; e por fim, por um “propósito político”, que deve ser compreendido em termos mais amplos, “o desejo de impelir o mundo em certa direção, de alterar a concepção dos outros quanto ao tipo de sociedade que deveriam almejar”. (ORWELL, 2021).
Ora, para se tornar um grande escritor, Orwell, teve de percorrer um grande caminho, não obstante, desde cedo teve o pressentimento do que deveria fazer da vida, ser escritor, portanto. Talvez seja, a vocação que deu a Orwell, o desejo e unidade de propósito, visto que por meio da escrita denunciou de maneira contundente as barbáries de seu tempo.
A vida e trajetória de Orwell, são um exemplo mais concreto para compreendermos o que é ser vocacionado, bem como para entendermos que a vocação se descobre por meio de um processo que muitas vezes será desconfortável.
O vocacionado compreende que a vida quer algo dele (a), e diante disso, assume a responsabilidade, uma vez que o “sentido da vocação vem da pergunta: qual é minha responsabilidade aqui? Como Orwell, todos que encontram sua vocação compreendem que não têm uma escolha. A vocação, é, portanto, algo muito sagrado.
A importância da vocação
Não existe sensação melhor do que compreender que foste chamado para fazer algo. Viver e fazer aquilo que de fato nasceste para fazer. Deste modo, o que orienta sua vida, na escolha, por exemplo, de uma profissão, não será tão somente o dinheiro, ou seja, mesmo que profissionalmente você não tenha um bom salário, o que por sinal é importante e necessário, não te sentiras tão frustrado e infeliz, visto que, o mais importante é a contribuição para o bem comum, e não meramente a satisfação de suas próprias necessidades.
Vocação tem a ver com chamado, do latim, vocare. E para Timothy Keller, “o trabalho só é uma vocação se alguém chamar você para fazê-lo e se ele for feito para quem o chamou, e não para você mesmo. Da mesma forma, nosso trabalho só é um chamado se for repensado como uma missão ou um serviço em favor de algo acima dos nossos meros interesses pessoais”. A vocação como tal, não cabe num “ego” inflado, é preciso esvaziamento, visto que quem é vocacionado nunca está centrado em si mesmo.
Como encontramos nossa vocação
Se por vocação entende-se o ato de ser chamado, que por sua vez, soa como sendo muito místico, é necessário observar que “o modo como ele acontece na vida não parece nada sagrado nem místico”, observa David Brooks. Algo nos interpela, ao ponto de nos deixar extasiados ou arrebatados para sempre, e quando isso acontece, não tem volta.
É necessário, portanto, nos atentarmos ao que capta nossa atenção, nos enfeitiça e desperta em nós “um desejo que prevê de certa forma muito do que virá depois de uma vida, tanto de prazeres quanto de desafios” (BROOKS, 2019, p. 102). E nisto está uma questão muito importante, a vocação é algo que se experimenta de forma individual. Muitos podem atender ao chamado de serem professores, porém, tu, sempre o serás e exercerás de maneira singular e concreta.
O que está em questão, não é o exercício de uma profissão somente, é mais profundo, visto que coincide com o “eu” de cada um. É assim que para Julián Marías (1984), deve-se entender a vocação como sendo algo concreto, único e pessoal, não obstante, “a vocação também não é escolhida, porém não seria correto dizer que me encontro com ela; antes ela me encontra, me chama, e correlativamente a descubro; não me é imposta, e sim apresentada, e embora não esteja em minhas mãos ter ou não ter essa vocação, permaneço frente a ela com uma essencial liberdade: posso segui-la ou não, ser fiel ou infiel a ela.” (MARÍAS, 1983, p.24).
Todos, sem exceção, têm uma vocação. Basta, no entanto, assumirem seu destino inevitável e deixar-se ser transformado por ele, visto que todo comprometimento exige uma escolha transformacional. Diante disso, as observações de David Brooks, quanto a escolha vocacional, se tornam imprescindíveis: Tudo bem se você estiver disposto a aceitar algo insuficiente como uma carreira. Mas, se estiver tentando descobrir sua vocação, a pergunta certa não é: “No que eu sou bom?” mas sim: “O que estou motivado a fazer? Qual atividade amo tanto, que continuarei melhorando pelas próximas décadas? O que desejo tanto que é capaz de capturar as partes mais profundas do meu ser?”
Sendo assim, ao escolhermos uma vocação, o correto não é colcoar o talento acima do interesse, já que é o interesse que multiplica o talento e, na maioria dos casos, é mais importante. Na busca por uma vocação, você deve considerar a sua alma, coração, e sua motivação a longo prazo. (BROOKS, 2019, p. 120.
Martinho Chingulo
Referências
BROOKS, David. A segunda montanha: a busca por uma vida moral. Trad. Samantha Batista. Rio de Janeiro: Alta Books, 2019.
MARIA, Juliano. Ortega: As Trajetórias . Madrid, Publishing Alliance, 1983
ORWELL, George. Por que escrevo. Trad. Claudio Marcondes. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras